FAQ's

  • Os escoamentos habitualmente designados por debris flows (escoamentos de detritos) são escoamentos de água com uma mistura de detritos variados, nos quais a percentagem de materiais grosseiros (por exemplo, areias e cascalhos) é elevada (regra geral maior que 50%). Normalmente, neste tipo de escoamentos bifásicos, a quantidade de materiais finos (por exemplo, siltes e argilas) em suspensão turbulenta é, igualmente, elevada. De facto, os detritos envolvidos neste tipo de escoamento podem ter dimensões muito variadas, desde partículas muito pequenas, até blocos de grandes dimensões.

  • Vários investigadores tentaram definir propostas de classificação dos tipos de debris flow de forma a evitar abordagens ambíguas ao fenómeno por parte da comunidade científica.

    Uma das classificações mais objetivas e práticas é a proposta por Tamotsu Takahashi. O autor refere que existem vários tipos de escoamento, podendo ser feita a sua distinção principalmente em função das características geológicas e geomorfológicas do local. Genericamente podem ser considerados três tipos de debris flows:

          - Stony-type debris flow
          - Turbulent-muddy-type debris flow
          - Viscous-type debris flow

    Resumidamente, nos stony-type debris flows é usual verificar-se um escoamento com diferentes camadas, que deslizam umas sobre as outras. Neste tipo de escoamentos as tensões de cisalhamento resultam, em grande parte, da transferência da quantidade de movimento pela colisão entre partículas. Por outro lado, os turbulent-muddy-type debris flows são dominados por tensões de origem turbulenta do escoamento. Por fim, nos viscous-type debris flows são as tensões viscosas que desempenham um papel ativo, sendo que o escoamento apresenta, geralmente, um comportamento viscoplástico.

    Referências bibliográficas:

    Takahashi, T., 2007. Debris Flow: Mechanics, Prediction and Countermeasures. Taylor & Francis.

  • Bardou 2003Tipicamente, o debris flow é constituído por três partes distintas: uma frente de onda abrupta que transporta o material sólido de maiores dimensões, seguida pelo corpo do escoamento, com material sólido de dimensões gradualmente inferiores e com menor altura de escoamento e, por fim, uma cauda caracterizada por uma matriz de finos e material sólido de pequenas dimensões e onde a fase líquida é abundante.

    Esta configuração é verificada com frequência nos stony-type debris flows. No entanto, também se verifica nos turbulent ou viscous-type debris flows que apresentem capacidade de transportar blocos rochosos de grandes dimensões. Contudo, nestes casos, estes não se acumulam na frente do escoamento, sendo a sua presença esporádica ao longo do escoamento (Takahashi, 2007).

    Referências bibliográficas:

    Takahashi, T., 2007. Debris Flow: Mechanics, Prediction and Countermeasures. Taylor & Francis.

  • Os debris flows são caracterizados por uma mistura densa com grande capacidade de transporte em suspensão de elementos rochosos de grandes dimensões. Este fenómeno confere aos debris flows uma capacidade destrutiva incalculável, resultando em danos significativos nas infra-estruturas atingidas. Este tipo de escoamentos provoca ainda, em geral, uma erosão demarcada nos substratos por onde passa, aumentando assim a quantidade de sedimentos em suspensão e, por conseguinte, a respetiva capacidade erosiva. Os debris flows podem apresentar a capacidade de incorporar e transportar materiais sólidos de várias origens, mesmo que de grandes dimensões e devidamente ancorados (por exemplo, veículos, troncos de árvores, infraestruturas, grandes blocos rochosos) aumentando, desta forma, o seu potencial destrutivo.

    Adicionalmente, nos trechos mais a jusante das linhas de água, onde a velocidade do escoamento se reduz e, consequentemente, se reduz também a capacidade de transporte, o debris flow pode dar origem a grandes deposições de material sólido (sedimentos), com os consequentes prejuízos que daí advêm. Nestes casos, as linhas de água podem ficar completamente colmatadas por sedimentos, conduzindo a uma redução brusca da secção útil do escoamento e à inundação dos terrenos adjacentes. Geralmente, esta ocorrência agrava os danos provocados pelos eventos de debris flows de forma significativa.

    De facto, existem muitos registos de populações completamente soterradas por debris flows que mobilizaram milhares de toneladas de detritos, ao longo de vários quilómetros.

  • Após a ocorrência de um fenómeno de debris flow, é relativamente fácil identificar os locais que contribuíram para a iniciação e desenvolvimento do escoamento, principalmente por apresentarem uma configuração espacial bem particular e demarcada. Em regra, os locais onde a ocorrência de debris flow é frequente são caracterizados por apresentar uma zona de produção (source zone), um ou mais canais de transporte (usualmente coincidentes com a rede de drenagem superficial) e uma área de deposição (cone de deposição).

    geomorf 1geomorf 2

    Fonte: (Nunes & Sayão, 2014) e (Calligaris & Zini, 2012).

    Tipicamente, o debris flow segue as redes de drenagem superficial pré-existentes com declives acentuados. Contudo, poderá também deslocar-se pelas encostas, demarcando o seu próprio caminho por erosão nos substratos.

    Analogamente a todos os escoamentos viscosos, os debris flows tendem a parar em zonas de declive pouco acentuado ou em zonas em que o escoamento deixa de estar confinado que, usualmente, se verificam a jusante de bacias hidrográficas, formando cones de deposição.

    Em geral, as zonas de deposição são caracterizadas por apresentarem os blocos de maiores dimensões apoiados sobre uma matriz de materiais mais finos. Relativamente aos cones de deposição, estes apresentam, usualmente, uma segregação inversa de sedimentos, distribuídos por uma área que apresenta o alinhamento principal paralelo à direção do escoamento.

    Referências bibliográficas:

    Calligaris, C. & Zini, L., 2012. Debris Flow Phenomena: A Short Overview?

    Nunes, A. L. & Sayão, A., 2014. Debris Flows e Técnicas de Mitigação e Convivência. 14º Congresso NAcional de Geotecnia. (in Portuguese)

  • Normalmente, os debris flows ocorrem quando os depósitos de cobertura se tornam, repentinamente, saturados por água e são transportados até uma linha de água ou, por outro lado, quando um escoamento tem uma capacidade de transporte suficiente para provocar erosão nos substratos das encostas ou no leito do rio. Do ponto de vista físico, os debris flows são iniciados quando as tensões tangenciais impostas pelo escoamento excedem as tensões resistentes do material sólido em repouso.

    As principais condições para a ocorrência de debris flows são a disponibilidade de material sólido de cobertura desagregado, declives acentuados e escoamentos superficiais repentinos com grande capacidade de transporte, normalmente com origem em precipitações intensas, no colapso de açudes naturais ou artificiais, no degelo repentino, entre outros.

    Assim, para a ocorrência de debris flows devem estar presentes não só fatores de predisposição mas também fatores desencadeadores. Uma característica usual deste tipo de escoamentos é a sua relação com eventos meteorológicos de grande intensidade. De facto, os debris flows são, em regra, desencadeados por precipitações de grande intensidade, com a capacidade de subir o nível freático para valores críticos ou quando a intensidade de precipitação excede a capacidade de infiltração do solo, formando uma camada superficial saturada.

  • Relativamente aos fatores de predisposição, os mais frequentes são:

         -  Caraterísticas geomorfológicas da bacia hidrográfica, principalmente o
            declive das linhas de água
         -  Existência de material sólido desagregado em depósitos de cobertura
            ou nas redes de drenagem
        -  Tipo de utilização do terreno (por exemplo, a não existência de
            vegetação resiliente, ação antrópica provocando instabilidades
            nas encostas)

    O fator desencadeador mais importante é a presença de água em abundância, suscetível de originar escoamentos com grande capacidade erosiva e de transporte ou de desenvolver pressões intersticiais ao longo de superfícies de rotura pré‑existentes. Assim, podem-se destacar os seguintes fatores desencadeadores de debris flows, como sendo os mais frequentes:

         -  Eventos pluviométricos de grande intensidade e, geralmente, curta
            duração*
         -  Deslizamentos de vertente
         -  Erupções vulcânicas
         -  Sismos
         -  Degelo de formações glaciares e de neve

    *Existem também registos de debris flows desencadeados por eventos pluviométricos de fraca-média intensidade e de longa duração.

  • Embora existam casos raros em que se registam debris flows com uma única frente de onda, este tipo de escoamentos são caracterizados por apresentarem uma sucessão de eventos (frentes de onda), evidenciando um caráter pulsatório. De facto, num mesmo fenómeno de debris flow podem ocorrer várias frentes de ondas, sendo que é possível identificar para cada, o respetivo corpo e cauda. Segundo Takahashi (2007), este fenómeno, apesar de ser mais frequente em viscous debris flows, pode verificar-se nos restantes tipos de debris flows definidos pelo autor.

    Suwa, et al. (2009) refere que podem existir quatro causas possíveis para a ocorrência do fenómeno pulsatório no debris flow:

         -  Resposta sensível a intesidades elevadas de precipitação
         -  Formação e destruição repentina de açudes naturais formados por
            deslizamentos de vertente ou acumulação de material sólido,
            sobretudo em zonas de menor declive
         -  Falha no balanço entre as tensões tangenciais do escoamento e as
            forças resistentes, na zona de produção
         -  Formação de instabilidades no movimento do escoamento, em longas
            distâncias, devido a declives acentuados

    Referências bibliográficas:

    Suwa, H., Okano, K. & Kanno, T., 2009. Behavior of debris flows monitored on test slopes of Kamikamihorizawa Creek, Mount Yakedake, Japan. International Journal of Erosion Control Engineering, Volume 2, pp. 33-45.

    Takahashi, T., 2007. Debris Flow: Mechanics, Prediction and Countermeasures.Taylor & Francis.

  • Na generalidade, as zonas montanhosas caracterizadas por encostas íngremes, são propícias à ocorrência de diversos tipos de movimentos de massa envolvendo água e materiais sólidos (ex: deslizamento de terras, debris flow, avalanches de detritos). Geralmente, estas regiões são frequentemente assoladas por eventos pluviométricos extremos que, por um lado podem dar origem a instabilização de vertentes e, por outro, na presença de depósitos de cobertura desagregados, podem desenvolver debris flows. Estes requisitos são verificados em várias bacias hidrográficas de regiões montanhosas, fazendo do debris flow um fenómeno que ocorre um pouco por todo o mundo.

    De entre os países mais afetados por debris flows destacam-se a Venezuela, Japão, China, Tailândia, Nepal, Indonésia, Filipinas, Itália, Suíça, França, Alemanha, Portugal, Eslovénia, Colômbia, os Estados Unidos da América, Peru, Austrália, entre outros.

  • As medidas de mitigação de impacto de debris flows podem dividir-se em medidas estruturais ou não-estruturais.

    As medidas estruturais incluem todas as medidas físicas com o objetivo de controlar o comportamento do fenómeno, incidindo sobre os processos de iniciação, transporte e/ou deposição do material sólido e traduzindo-se, em geral, pela implementação de sistemas de proteção especiais (naturais e artificiais) associadas a obras de grandes dimensões.

    Por sua vez, as medidas não-estruturais incorporam todas as medidas que permitam identificar áreas de risco com possibilidade de ocorrência de eventos, medidas administrativas e organizacionais (por exemplo, planeamento do tipo de uso do terreno, campanhas de informação e suscetibilização para o fenómeno, planos de emergência, condições de seguro), medidas de previsão de eventos meteorológicos associados ao debris flow, entre outros.

    • Intersecção e retenção de material sólido:
      • Açudes de Retenção
      • Estrados de Drenagem Inferior
      • Redes Deformáveis de Retenção
      • Bacias de Retenção
    • Estabilização e consolidação de encostas
    • Regularização e consolidação de linhas de água
    • Sistemas de drenagem em zonas críticas de encostas
    • Estruturas de proteção:
      • Barreiras de deflexão
      • Abrigos
    • Políticas racionais de ordenamento de território
    • Sistemas de previsão e alerta de ocorrências:
      • Sistemas de aviso em tempo real (ex: videovigilância, sistemas de sensores ultrassónicos, infravermelhos e de fios, geofones, acelerómetros, velocímetros)
      • Sistemas de previsão de ocorrência (ex: correlações empíricas com a intensidade de precipitação – definição de thresholds)
    • Técnicas de bio-engenharia para utilização e exploração de terrenos instáveis
    • Campanhas de informação e suscetibilização para o fenómeno
    • Planos de emergência